terça-feira, 13 de setembro de 2011

Cláusulas de um fim

O seu sorriso era largo
sua alma já estreitava seus anseios
seu olho negro-ébril carregava a luz de mil clamores
sobressalente era o encarcere de tua alma
debruçara sobre a lua seus despejos.
A solidão se avizinhara e impusera.

"Sou o verso que me cabe
e só a linha me traduz"
As fraturas decorrentes de reiterada partida
Apegara-se a vista por entre a deriva de seus ossos.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Achados de um pouco amor

"Ele estava pálido e suas mãos tremiam. Sim, ele estava com medo porque era tudo tão inesperado. Quis falar, e seus lábios frios mal puderam articular as palavras de pasmo que lhe causava a vista de todos aqueles homens preparados para matá-lo. Havia estrelas infantis a balbuciar preces matinais no céu deliqüescente. Seu olhar elevou-se até elas e ele, menos que nunca, compreendeu a razão de ser de tudo aquilo. Ele era um pássaro, nascera para cantar. Aquela madrugada que raiava para presenciar sua morte, não tinha sido ela sempre a sua grande amiga? Não ficara ela tantas vezes a escutar suas canções de silêncio? Por que o haviam arrancado a seu sono povoado de aves brancas e feito marchar em meio a outros homens de barba rude e olhar escuro?
Pensou em fugir, em correr doidamente para a aurora, em bater asas inexistentes até voar. Escaparia assim à fria sanha daqueles caçadores maus que o confundiam com o milhafre, ele cuja única missão era cantar a beleza das coisas naturais e o amor dos homens; ele, um pássaro inocente, em cuja voz havia ritmos de dança.
Mas permaneceu em sua atonia, sem acreditar bem que aquilo tudo estivesse acontecendo. Era, por certo, um mal-entendido. Dentro em pouco chegaria a ordem para soltá-lo, e aqueles mesmos homens que o miravam com ruim catadura chegariam até ele rindo risos francos e, de braços dados, iriam todos beber manzanilla numa tasca qualquer, e cantariam canções de cante-hondo até que a noite viesse recolher seus corpos bêbados em sua negra, maternal mantilha.
As ordens, no entanto, foram rápidas. O grupo foi levado, a coronhadas e empurrões, até a vala comum aberta, e os nodosos pescoços penderam no desalento final. Lábios partiram-se em adeuses, murmurando marias e consuelos. Só sua cabeça movia-se para todos os lados, num movimento de busca e negação, como a do pássaro frágil na mão do armadilheiro impiedoso. O sangue cantava-lhe aos ouvidos, o sangue que fora a seiva mais viva de sua poesia, o sangue que tinha visto e que não quisera ver, o sangue de sua Espanha louca e lúcida, o sangue das paixões desencadeadas, o sangue de Ignácio Sánchez Mejías, o sangue das bodas de sangre, o sangue dos homens que morrem para que nasça um mundo sem violência. Por um segundo passou-lhe a visão de seus amigos distantes. Alberti, Neruda, Manolo Ortiz, Bergamín, Delia, María Rosa - e a minha própria visão, a do poeta brasileiro que teria sido como um irmão seu e que dele viria a receber o legado de todos esses amigos exemplares, e que com ele teria passado noites a tocar guitarra, a se trocarem canções pungentes.
Sim, teve medo. E quem, em seu lugar, não o teria? Ele não nascera para morrer assim, para morrer antes de sua própria morte. Nascera para a vida e suas dádivas mais ardentes, num mundo de poesia e música, configurado na face da mulher, na face do amigo e na face do povo. Se tivesse tido tempo de correr pela campina, seu corpo de poeta-pássaro ter-se-ia certamente libertado das contingências físicas e alçado vôo para os espaços além; pois tal era sua ânsia de viver para poder cantar, cada vez mais longe e cada vez melhor, o amor, o grande amor que era nele sentimento de permanência e sensação de eternidade.
Mas foram apenas outros pássaros, seus irmãos, que voaram assustados dentro da luz da antemanhã, quando os tiros do pelotão de morte soaram no silêncio da madrugada."
(Réquiem para Federico Garcia Lorca),Vinicius.

domingo, 15 de maio de 2011

(Há)bismos

haver (ha-ver)


v.i. (impes.) Existir.
Suceder, acontecer; ocorrer:

Me espera chorar. –ele disse.
Me espera derramar o último vestígio de ti. Espera pra ver que quando saíres daquela porta, eu conseqüentemente hei de cair de uma altura inestimável. Não espero que me segures, mas espero que veja em que abismo me meti. O ato de ir ao precipio só não é mais lastimável do que a duvida de me jogar. Entreguei-me de malas prontas a teu ser. Sem carta de recomendação, fui amante traído. Sem carta de rescisão,fui subjugado e subvertido. Já não eram mais os verões que eram frios, mas nossas palavras que já não eram mais quentes. Já não se tratava de um céu cinzento, mas de uma neblina suja que impairava sobre nossas cabeças. O curativo que já não escondia mais, o que de fato já não havia. Estancou-se o sangue e tudo que havia ao redor era submetido a uma dor certeira e constante. Em meu lugar, ocuparam-se de dúvidas, enquanto que em teu lugar assentaram-se questões. Pedaços de seu ser eram inevitavelmente costurados e dilacerados ao longo do tempo. A agulha transpassava na dor e na esperança de que juntássemos os restos de seu ego inquebrantável. As cores saturadas tomavam corpo por dentro da insolação daqueles dias que se arrastavam e tropeçavam enquanto que nossas vidas ruíam. Tudo perdera sabor como quem perde dignidade. A felicidade do mundo se tornara cada vez mas hipócrita enquanto que a honestidade assemelhava-se ao enjoô. Não me cabia mais tamanho ser desconhecido dentro de mim apelidado de eu mesmo. Saí na esperança de que um ser ainda sobrevivesse até perceber que a alma de ambos já haviam sido devidamente depositadas no caixão da vida. Daquelas vidas que respiram já sem alma e carregam eternamente a carcaça da dor, achei-me em uma delas.

sexta-feira, 18 de março de 2011

circulo vicioso

Virara círculo de fogo. Daqueles em que só o ar por fim, era capaz de se alastrar. O choque da chuva em rigor ao asfalto denunciava a veracidade de caminhos possíveis de se velejar. Seus olhos eram aspirais originárias do espaço que destacavam-se ao branco do infinito. Era sinal de fumaça decorrente de crime a queima-roupa. Seu coração agora já salteava em fusos arteriais por crateras de seu corpo. Sua alma trilharia um novo caminho logo adiante. Seus lábios eram azul-anil afim de achar algo poético naquela cena estupidamente fatal. Em meus ouvidos sua voz encadeava loucura por caos á cordas vocais. Era sórdido demais pensar que aquilo passara apenas de um sonho.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Propriedade do mundo


Camada por camada era exposta pela certeza do toque e da serena incisão. A poça de água eternizava seu momento de narciso. Afundou-se no mar que mais se assemelhava ao fundo oco do espaço e soltou lágrimas na esperança de que lavasse sua alma e a tranforma-se no originário mais sutil. Nessa maestria sua que ninguém compreenderia,reduziu-se em partes de um mosaico que de sentimentos,haveria de ser complementado. Faíscas saiam de seus risos e espantavam qualquer um que um dia poderia a vir a lhe seguir. Estrelas,aventureiras em sua forma mais genuína, vigiavam seus pensamentos tórridos de longe mas timidamente confiantes de que um dia cairias em seu próprio feitiço. A incapacidade do sentir era espelho de seu coração frívolo e já sem vida,afogou-se em beira-mar não apenas sozinho,mas eternamente acompanhado de sua própria solidão.

domingo, 6 de março de 2011

Solstício de Verão


Seus olhos haviam sido pintados de aquarela naquela manhã. O sol que timidamente nos comprimentava,contagiava-se por sua energia. Era papel de estrela,aparecer e ser codjuvante do seu brilho. Você brincava com meus cabelos agora claros e ondulados contrastantes com a minha pele. Contrastava mais que sua própria imagem. Nossos pés juntos denunciavam que era amor de perca. Em linhas tortas da rua,tudo se perdia e se esvairava. O que se ganhava era esgotado a última gota de perdão. A dança da vida nos fazia fantoches de nossa própria ilusão. Sua pele havia empalidecido. Seus olhos pareciam empalhados por mãos agudas. Suas mãos denunciavam sua ausência de toque em meus braços. Sua alma era oca e residia apenas resquisio de sentimento fresco. O Sol alinhou-se ao seu coração e sua energia tomou para si.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

animalesco

perturbava-me o cheiro que antes ia de encontro ao meu e hoje já se assemelhava a podridão. O ser renegado de todos sentimentos mundanos e olhares satisfatórios. Via -se a nitidez que se tornara um animal,como se ao revirar o lixo,estivesse a se deparar com a sujeira humana. Achava algo palatável omo se houvesse procurado na humanidade,um ser livre de depravacões e por fim,achasse. Retirava-se toda sua bondade afim de torna-lhe a imagem e semelhanca do homem. Energias eram despedacadas em mordidas certeiras que denunciavam a sua fome por algo palpável do sentir. Seu rosto indecifrável aliado a sua ausência de sanidade. A carne humana passara a ser seu divertimento fugaz. Tornastes do mais terrivel ao mais necessitado.